Por Marco Damiani
Presidente do clube de elite defende apostas pela televisão e parcerias empresariais para resgatar apelo popular do turfe
Com um bilhete de loteria que custou o equivalente a R$ 25, um aposentado ganhou um milhão de euros na França. Os números sorteados obedeceram à ordem de chegada dos cavalos que correram o Grande Prêmio Arco do Triunfo. Uma pesquisa realizada recentemente em Hong Kong mostrou que a população confia mais nos administradores do hipódromo local do que no governo. Ali, as corridas atraem cerca de 20 mil espectadores por fim de semana.
Nos Estados Unidos, no primeiro trimestre, um cavalo de corridas que ainda nem estreou nas pistas foi arrematado por US$ 18 milhões. É comum, lá, corridas pagarem mais de US$ 1 milhão em prêmios. Nos Emirados Árabes, um cavalo que vença apenas uma das provas mais importantes da temporada de janeiro/fevereiro pode arrematar, para o proprietário, até US$ 6 milhões. No Brasil, enquanto isso, a verdade é que o turfe começa a renascer no hipódromo de Cidade Jardim, em São Paulo. Neste domingo 21, o Grande Prêmio São Paulo vai pagar mais de US$ 100 mil ao vencedor - e espera-se um movimento de apostas, durante o fim de semana, superior a US$ 1 milhão.
O trabalho de renascimento do esporte tem a mão do advogado e empresário Márcio Toledo. Aos 46 anos, ele assumiu a presidência do Jockey Club de São Paulo no ano passado e, nos últimos tempos, passou a colher os frutos da recuperação financeira da entidade. Agora, ele articula uma aliança com a televisão que visa massificar as corridas de cavalos no País, a exemplo do que acontece no Exterior. Eis suas idéias:
ISTOÉ - Corridas de cavalos são um bom negócio?
MÁRCIO TOLEDO - No mundo todo há hipódromos lotados todos os fins de semana, pagam-se milhões de dólares em prêmios e muitos outros milhões são dedicados a apostas. Na Argentina, há corridas todos os dias. Na França, que tem uma modalidade de apostas ligada à loteria de números, um apostador jogou recentemente nove euros e ganhou um prêmio de um milhão. Por outro lado, os cavalos alcançam preços cada vez mais altos. Isso tudo significa que, sim, as corridas são um bom negócio. No Brasil, elas têm muito a evoluir.
ISTOÉ - Em que direção?
MÁRCIO TOLEDO - No Jockey Club de São Paulo, estamos apostando na democratização do turfe. Queremos torná-lo um momento de lazer para toda a família, fazer da aposta um instante de união. Esse trabalho tem várias frentes, da recuperação da saúde financeira do próprio Jockey à atração de novos proprietários. Acredito que parcerias com grandes grupos nacionais de esportes, entretenimento e comunicações darão sangue novo ao turfe. Com a tevê digital e seus recursos interativos, daremos um salto que vai mudar a história do esporte.
ISTOÉ - Os tempos de glamour podem voltar, é isso?
MÁRCIO TOLEDO - Acredito que estes tempos já estejam de volta. Neste domingo, no programa de fim de semana do qual faz parte o Grande Prêmio São Paulo, milhares de pessoas estarão em nossas arquibancadas. Na pista veremos os jóqueis de maior destaque e alguns dos melhores cavalos do País, senão todos. O valor do prêmio para o vencedor do São Paulo, de US$ 100 mil, aproxidamente, está à altura de bons páreos americanos e europeus. O espetáculo será visto por autoridades, dezenas de empresários e pessoas da sociedade, o que vai mostrar que o glamour do passado voltou. O desafio, assim, passa a ser o da massificação.
ISTOÉ - Qual é o plano?
MÁRCIO TOLEDO - O grande diferencial vai ser a consolidação de alianças com grandes grupos nacionais, sobretudo nas áreas de entretenimento e esportivo, para que possamos realizar novos investimentos no Jockey.
ISTOÉ - O que já está acontecendo?
MÁRCIO TOLEDO - Para este Grande Prêmio São Paulo, obtivemos o apoio da Rede Globo para a transmissão ao vivo da prova. Isso só aconteceu, no passado, em relação ao Grande Prêmio Brasil, corrido no Rio de Janeiro. A Globo abriu seu canal especializado em esportes, o SporTV, para mostrar diferentes aspectos da corrida e, com isso, chamar público. É um passo grandioso, que poderá ter desdobramentos surpreendentes com o advento da tevê digital. A tevê digital será capaz de massificar, democratizar e levar o turfe para dentro das casas das pessoas.
ISTOÉ - Como?
MÁRCIO TOLEDO - Na medida em que permite interatividade, a tevê digital vai possibilitar que se escolham um ou mais cavalos pelo controle remoto. Com os avanços já conhecidos das telecomunicações, bastará um aperto de botão para se fazer uma aposta. Isso vai transformar a relação das pessoas com o esporte.
ISTOÉ - E não vai formar uma legião de jogadores?
MÁRCIO TOLEDO - O que vai ocorrer é a transformação do conceito do jogo em cavalos. O que hoje é restrito a um grupo de aficionados, que acompanham sozinhos os detalhes do jogo, terá chance de se abrir, ganhar em transparência e, à medida que crescer, ganhar também em competitividade. Haverá mais entretenimento, para mais pessoas. O turfe será um momento de aglutinação e lazer de toda a família.
ISTOÉ - Como anda o mercado para cavalos de corridas?
MÁRCIO TOLEDO - Este é o melhor momento, em 20 anos, para a criação do puro-sangue inglês no Brasil. Nossos cavalos têm obtido grandes vitórias no Exterior. Quinze dias atrás, Jackson Fire, de criação nacional, ganhou em Hollywood Park. Antes dele, Hart Alone vencera uma prova de US$ 200 mil em Dubai e foi vendido por US$ 1,2 milhão. Um ano atrás, Leroidesanimaux cumpriu uma campanha de dez vitórias nos Estados Unidos. Pico Central, um cavalo arrematado por R$ 20 mil num leilão nacional, conseguiu mais de US$ 1 milhão em prêmios lá fora.
ISTOÉ - O Jockey do Rio de Janeiro firmou um acordo operacional com a Codere, empresa multinacional de apostas. A idéia da Codere é implantar no Brasil o simulcasting internacional, que permitirá apostas em corridas de cavalos de todo o mundo. O que o sr. acha desse modelo?
MÁRCIO TOLEDO - Os Jockeys de São Paulo e do Rio, hoje, estão buscando uma unidade de propósitos, mas escolhemos caminhos bem diferentes para gerenciar o turfe. Eles se compuseram com uma empresa que fabrica e explora máquinas de caça-níqueis no mundo todo, que é a Codere. Nós buscamos outra fórmula, que privilegia o entretenimento em relação ao próprio jogo dos aficionados. Aqui, pelo caminho das parcerias, vamos levar o turfe para o grande público. Não somos contra o simulcasting internacional, mas queremos entretenimento para toda a família, não apenas para aficionados. Outro aspecto é que o Jockey de São Paulo não quer se envolver com outras modalidades de jogo.
ISTOÉ - Em quais circunstâncias o sr. assumiu o Jockey Club de São Paulo?
MÁRCIO TOLEDO - O Jockey, 14 meses atrás, vivia uma situação pré-falimentar. Nossas contas bancárias estavam negativas em R$ 6 milhões. Devíamos outros R$ 8 milhões para fornecedores. O pior é que as receitas mais importantes, de eventos, já haviam sido antecipadas. Era como se nossos salões estivessem vazios e as pistas, esburacadas. Aliás, a verdade é que o quadro era esse mesmo, com poucas festas, quase nenhum encontro empresarial e corridas fracas. Todo mundo falava: o Jockey acabou.
ISTOÉ - Por onde começou a tentativa de resgate?
MÁRCIO TOLEDO - Nos primeiros 60 dias, decretamos uma espécie de moratória. Passamos a saldar os débitos bancários, para não entrar num colapso completo, mas suspendemos pagamentos para fornecedores, sustamos os prêmios de corridas e revimos todos os contratos em andamento. Um a um, renegociamos acordos com cerca de 300 fornecedores.
ISTOÉ - Não o chamaram de irresponsável?
MÁRCIO TOLEDO - Temo que sim. Houve muita contrariedade no início, mas adotamos uma política de explicar em detalhes a real situação do Jockey. Com a renegociação dos contratos, conseguimos uma economia de cerca de 35% em relação aos gastos anteriores. Ao mesmo tempo, promovemos também uma renegociação das receitas do Jockey. Elas não são só de apostas. Dois terços advêm de locações de seu patrimônio e de eventos.
ISTOÉ - Por exemplo?
MÁRCIO TOLEDO - Um evento realizado em dezembro, antes de assumirmos, foi saldado com R$ 80 mil. Seis meses depois, quando se quis repeti-lo, conseguimos mostrar que o certo era recebermos R$ 240 mil, e foi isso o que acabou acontecendo. Havia aqui o critério de que o Jockey cobrava barato. Eu pesquisei a história inteira e descobri que o clube sempre foi perdedor em suas relações comerciais. Nós temos um prédio no centro da cidade em que as locações estavam subavaliadas. Os eventos sociais também eram cobrados a menos. Um patrimônio magnífico, que é a Chácara do Jockey, a cinco quilômetros de Cidade Jardim, estava praticamente abandonado. No ano passado, sob o patrocínio de uma grande empresa de telefonia, realizamos lá um show de rock para 30 mil pessoas que inaugurou um novo espaço de lazer para São Paulo e nos deu uma boa receita.
ISTOÉ - Rock em meio a cavalos?
MÁRCIO TOLEDO - Não. Todos os cavalos que lá estavam, cerca de 150, foram transferidos permanentemente para o hipódromo, onde havia instalações de sobra. A partir de agora, a chácara vai servir para leilões de todas as raças de animais e está aberta para as empresas que desejarem realizar eventos para milhares de pessoas. Ela tem vocação para se tornar um centro de eventos do agronegócio. Já fomos procurados para abrir a chácara a uma feira de máquinas agrícolas. Isso é ótimo.
ISTOÉ - A transferência de cavalos não gerou uma superlotação nas cocheiras?
MÁRCIO TOLEDO - Absolutamente. A mudança zerou um passivo mensal de R$ 100 mil que o clube tinha com gastos na chácara. A Vila Hípica, ao mesmo tempo, foi reorganizada. Havia espaço disponível, apenas ele era mal utilizado. Passamos a controlar mais entradas e saídas de pessoas e animais, aumentamos a segurança e credenciamos os profissionais. Tudo isso para impedir que quem não tem a ver com os cavalos continuasse a circular por ali. Um efeito positivo foi a maior aproximação do serviço veterinário sobre os cavalos. Em outras palavras, aumentamos a tranqüilidade, a segurança e a produtividade da Vila Hípica.
ISTOÉ - Por que ser sócio do Jockey ?
MÁRCIO TOLEDO - Enquanto estamos abrindo nossas portas à sociedade, também estamos ampliando as instalações do clube. Melhoramos a sauna e passaremos a ter uma piscina. O sócio terá mais retorno por sua contribuição. Quem quiser entrar deve obter indicação de dois sócios. Nem precisa ser dono de cavalo.
Istoé