1 de outubro de 2025
Jockey Club, em São Paulo Imagem: Beatriz Cesarini/UOL |
Jockey culpa Prefeitura de SP por crise: 'Perseguição, golpe e intrigas'

Jockey culpa Prefeitura de SP por crise: 'Perseguição, golpe e intrigas'

Juliana Sayuri e Adriana Ferraz

O Jockey Club de São Paulo acusou a Prefeitura de São Paulo de "golpes", "intrigas" e "perseguições". O clube também se disse alvo de "caprichos" e iniciativas de "insanidade" e "torpeza", de "rico repertório de maldades guardadas nos escaninhos dos gabinetes municipais" e de "obra demoníaca engendrada pela municipalidade".

As expressões constam no pedido de recuperação judicial que o clube protocolou na Justiça no fim de março, ao qual o UOL teve acesso.

A Justiça aceitou o pedido de recuperação em 22 de setembro, após seis meses de discussões sobre a viabilidade do instrumento jurídico que congela dívidas para que uma empresa consiga se reerguer, visto que o clube é oficialmente uma associação sem fins lucrativos.

O Jockey declarou uma dívida de R$ 19 milhões, mas deixou de fora uma cobrança antiga: cerca de R$ 830 milhões de impostos, segundo a prefeitura. No documento, tratam o assunto como "supostos débitos de IPTU, também supostamente impagos".

As rusgas ficaram evidentes no pedido protocolado na Justiça.

'Indisfarçável volúpia'

No documento, assinado pelos advogados Hoanes Koutoudjian, João Boyadjian, Vicente Paolillo e José Mauro Marques, o Jockey enaltece seu histórico, definindo-se como o "majestoso hipódromo", "legítimo palco dos acontecimentos mais relevantes vividos pela sociedade paulista e paulistana" e ressaltando seu "papel de dádiva para a capital paulista".

As expressões não foram tão generosas em relação às recentes administrações municipais.

Na justificativa ao pedido de recuperação judicial, o clube citou da Lei Cidade Limpa de 2006, de Gilberto Kassab (à época PFL, hoje PSD) e à Lei 18.147 de 2024, que proíbe apostas de jogos de azar (inclusive envolvendo cavalos), sancionada por Ricardo Nunes (MDB).

[A Lei Cidade Limpa] simplesmente varreu os cerca de 30 outdoors instalados ao longo dos muros do Jockey na marginal Pinheiros cuja renda provisionava as folhas de pagamento de seus funcionários à época
Jockey Club, no pedido protocolado na Justiça

Procurado, Kassab afirmou que a Lei Cidade Limpa é "um divisor de águas" para a cidade: "Provocou uma verdadeira transformação na cidade, antes semiencoberta por gigantescos painéis de publicidade e toneladas de materiais irregulares. Virou uma referência internacional. É reconhecido como case global de branding".

Já a disputa do IPTU foi tratada pelo Jockey como "antigos conflitos feridos com a municipalidade de São Paulo, já compondo um entrecho de intrigas e perseguições".

A certo ponto, o Jockey afirma que a prefeitura "passou a visualizar insidiosamente" o domínio do terreno do clube, culminando num decreto que definiu a utilidade pública da área, em 2008, abrindo caminho para a desapropriação dela.

Os advogados também se referem a uma "indisfarçável volúpia" da prefeitura para se apossar da área, acusando-a de "fraude inescondível".

Em coluna no UOL Marco Antonio Sabino afirmou que as negociações sobre a desapropriação azedaram após uma reunião em 2018, na sala do então presidente da Câmara Municipal de São Paulo, Milton Leite (União Brasil), junto do ex-prefeito João Doria (à época PSDB) e outros políticos.

Segundo Sabino, Leite não gostou de um comentário na reunião e, ao fim, disse a um assessor: "Agora que essa coisa não sai nem f...".

Passadiço do Jockey Club
Passadiço do Jockey Club Imagem: Divulgação / Elysium Cultural

Jockey cita 'caprichos' de políticos

Nunes e Leite são citados indiretamente no documento.

O contexto é a Lei 18.147, aprovada em 2024, "promulgada sabe-se lá como e onde, que proíbe a realização de corridas de cavalos no município, com o intuito de exclusivamente atingir a atividade principal" do Jockey.

Não bastassem os enormes reptos econômicos enfrentados, o ano de 2024 trouxe o indesejável componente político para ampliar os desafios de gestão do Jockey. Após algumas pressões de bastidores em 2022 e 2023 principalmente, os ensaios de tentativas de arrebatar o terreno da entidade por conta de supostos débitos de IPTU, também supostamente impagos, os agentes municipais saíram do campo da ameaça e materializaram o abuso
Jockey Club, no pedido protocolado na Justiça

No documento, os advogados do Jockey afirmam que os vereadores, sob liderança de Leite e com aval de Nunes, fizeram "terrorismo estatal", um "autêntico golpe" contra o clube.

É possível identificar que se trata do então presidente da Câmara Municipal, pois foi citada uma declaração dele na plenária à época: "Senhores proprietários de cavalos, tirem seus cavalos de lá, porque serão presos".

(...) Sob a liderança do presidente da Câmara [Leite] e com o apoio e aval, comprovado a partir da sanção pelo prefeito [Nunes], configurando ato de escancarado terrorismo estatal, consumou autêntico golpe contra a instituição mediante simulacro de uma Lei Municipal, intentando ocupação do hipódromo 'manu militari', valendo reproduzir a advertência jornalística promovida pelo vereador citado, qual antropoide desvairado, verberava: 'Proprietários de cavalos, tirem seus cavalos de lá, porque serão presos'
Jockey Club, no pedido protocolado na Justiça

No documento, o Jockey diz que a aprovação da lei envolve "distorções produzidas por políticos irresponsáveis no trato da coisa pública, transformando caprichos personalíssimos em arremetidas arrivistas e interesseiras".

Todo o relatado linhas atrás ganha dimensão de uma verdade inconveniente, se não vergonhosa, caso derivemos ao conhecimento da mais recente obra demoníaca engendrada pela municipalidade, datada de outubro de 2024, em conúbio com a Câmara Municipal da capital e seus ilustrados edis
Jockey Club, no pedido protocolado na Justiça

Procurado, Leite afirmou que a Casa aprovou, sob sua liderança, a criação de um parque público na área. "Nada foi feito às escuras. A criação do parque é uma forma de que aquele espaço, que deve milhões aos cofres públicos, deixe de ser utilizado por uma elite e passe a ser do povo de São Paulo."

A certo ponto, o documento diz que, para preservar o complexo, o clube "enseja" obter incentivos via Lei Rouanet.

A prefeitura abriu neste ano uma investigação interna para apurar se o Jockey desviou R$ 61,2 milhões captados com um mecanismo urbanístico chamado TDC (Transferência do Direito de Construir) para custear obras de restauração, conforme revelou o UOL.

Na investigação, pretende-se checar se há duplicidade entre as notas fiscais relativas ao TDC e à Lei Rouanet.

O UOL procurou o Jockey e a prefeitura para comentar o teor do documento. Nenhum deles respondeu. O espaço está aberto para manifestações.

Uol
https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2025/10/01/interesseira-intrigas-golpe-jockey-atribui-crise-a-prefeitura-de-sp.htm